Marcela herdou a antiga casa da avó após sua morte. Era uma casa grande, silenciosa, repleta de móveis antigos e paredes cobertas de quadros todos virados para a parede. No começo, achou estranho. Depois, entendeu: eram retratos da família, escondidos pela própria avó após um desentendimento com os filhos que nunca se resolvera.
Sozinha na casa, Marcela se sentia como em um museu abandonado da própria história. Era filha de um dos filhos brigados e nunca tivera contato com os tios, primos ou até mesmo com lembranças daquela infância que ela pouco conhecera. Ainda assim, algo a movia a desvendar os silêncios guardados ali.
Um dia, virou o primeiro quadro. Era seu pai ainda criança, ao lado da avó sorridente. Marcela chorou. Naquela casa, ela não queria mais ausência queria cura. Decidiu restaurar os retratos, limpar os móveis e reabrir os álbuns. Ligou para os parentes. Alguns recusaram. Outros choraram. Um primo, Rafael, respondeu à mensagem com um convite para um café.
Marcela reencontrou nele traços da avó, do pai, dela mesma. Eles compartilharam memórias, cartas antigas, e organizaram um almoço com os primos que ainda restavam. Foi o primeiro em 30 anos.
Na parede da sala, os retratos voltaram à posição original. E novos quadros foram colocados: Marcela sorrindo com a prima que nunca conhecera, o tio emocionado segurando a carta da mãe que ele nunca teve coragem de ler.
O quarto dos retratos vazios agora era o coração da casa. Um memorial não dá dor, mas da reconciliação.
"Esta obra é uma ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência."