Henrique passava pela ponte velha todos os dias a caminho do trabalho, sem jamais parar. Para ele, era apenas concreto velho, grafites esquecidos e memórias que doíam. Foi ali, anos antes, que seu irmão gêmeo, Lucas, tirou a própria vida, mergulhado em uma depressão que Henrique nunca entendeu ou quis entender.
Desde então, Henrique evitava emoções. Tinha uma vida mecânica, um casamento apagado e uma distância confortável de qualquer lembrança. Mas, num fim de tarde chuvoso, um garoto solitário o fez parar.
Ele devia ter uns 12 anos, sentado na beirada da ponte, olhos fixos no abismo. Henrique congelou. Lembrou-se do irmão. Do último olhar. Da última mensagem não respondida. Aproximou-se devagar, sem assustar.
Está tudo bem aí?
O menino chorava em silêncio.
Eu... só queria desaparecer um pouco disse ele, sem encarar Henrique.
Henrique sentou-se ao lado. Não disse nada por longos minutos. Apenas ficou. Pela primeira vez em anos, escutou. O choro do garoto, os pingos da chuva, o eco de suas próprias lágrimas internas.
Quando o menino se acalmou, contou seu nome: Rafael. Disse que se sentia invisível em casa, na escola, no mundo.
Henrique então falou de Lucas. Contou como ignorou os sinais, como não sabia escutar. Chorou, como nunca havia permitido.
Eu não consegui salvar meu irmão, Rafael. Mas talvez eu possa caminhar com você hoje. E amanhã, se quiser.
Os dois se levantaram, molhados e renovados. Henrique levou Rafael até uma ONG próxima que oferecia apoio psicológico para jovens em sofrimento. Nos dias seguintes, visitou o lugar com frequência. Começou a palestrar sobre escuta, prevenção e cuidado.
A ponte velha ainda estava lá, mas agora tinha outro significado. Tornou-se símbolo de uma travessia da culpa para o acolhimento, do silêncio para a escuta ativa.
"Esta obra é uma ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência."