O Jardim Botânico da Ajuda respira história. Árvores centenárias moldam sombras sobre os caminhos de pedra, e o cheiro de terra molhada se mistura ao perfume das flores. Às 15h55, Lara e Helvio atravessam o portão de ferro. Eles não dizem nada um ao outro. A expectativa preenche todos os espaços entre as palavras.
Às 16h em ponto, eles avistam a mulher sentada ao lado da estátua de Vênus. Ela usa um vestido de linho azul e segura um exemplar gasto de Os Lusíadas. Ao ver Lara, seus olhos se enchem, mas ela não se levanta. Parece temer quebrar o momento com um gesto brusco.
Lara para a poucos passos.
É você?
M. ou Beatriz Moura sorri com leveza, mas a emoção lhe embarga a voz.
É. Sempre fui. Só que sem direito de ser.
Lara se aproxima e, num gesto que surpreende a ambas, ajoelha-se diante da mãe. Toca suas mãos. São ásperas, vividas. As mãos que escreveram as cartas, que decifraram rotas de fuga, que protegeram sem tocar.
Eu cresci achando que amor era presença. Hoje eu entendo que pode ser também ausência com propósito diz Lara.
Beatriz chora, em silêncio. A dor que a impediu por anos de reaparecer agora parece pequena diante da filha viva, ali, inteira, mesmo com as feridas abertas.
Helvio observa à distância. Para ele, aquilo não é apenas o fim de uma investigação. É o momento em que a história pessoal vence a História oficial. Em que o amor sobrevive à lógica, ao medo, à mentira.
Beatriz revela que, após a prisão de Rafael e a traição de Joaquim, passou anos foragida. Mudou de identidade, trabalhou como datilógrafa, depois como bibliotecária. Ele manteve contato secreto com Celeste, que lhe enviava notícias de Lara.
Quando você foi aceita na universidade na Suíça, eu fui até o aeroporto. Vi você embarcar. Quis te chamar, mas o silêncio era a única forma de manter sua vida intacta.
Lara segura o rosto da mãe.
Chega de silêncio.
Elas se abraçam. O tempo para. O jardim todo parece respirar com elas.
Ao fundo, Helvio recebe uma ligação de Rafael. A voz do homem é grave, mas emocionada.
Ela encontrou a mãe?
Encontrou. E a verdade também.
Então só falta uma coisa.
O quê?
Terminar o que começámos. As cartas não eram o fim. Elas eram o mapa. Há algo mais, Helvio. Algo que pode mudar a história do país.
Helvio desliga. O mistério ainda não acabou.
"Esta obra é uma ficção. Qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência."